Mohed Altrad – Criança Abandonada/Multimilionário
“Tenho uma dívida com a vida que nunca vou poder pagar: devolver a vida à minha mãe, que não teve vida. A dela foi tirada muito cedo, ela viveu 12, 13 anos. Estupraram minha mãe duas vezes. Ela viu um de seus filhos morrer e morreu no dia que me deu a vida”
É melhor não perguntar a Mohed Altrad qual é a sua idade. Não que ele tenha vergonha de dizê-la, é que ele simplesmente não saberia responder com exatidão. Apesar de multimilionário, Altrad não tem ideia de quantos anos tem – por volta de 65, talvez? E ele nem se importa com isso.
A conversa da BBC com esse beduíno multimilionário aconteceu em um lugar curioso: um dos hotéis mais luxuosos desse ninho de luxo que é Monte Carlo.
No ano passado, Altrad ganhou o título de “Empreendedor Francês do Ano”. E, recentemente, foi a Monte Carlo para receber o título mundial, derrotando outros 51 candidatos no concurso anual realizado pela consultoria Ernst & Young.
Foi aí que me contou da sua trajetória vestindo roupas elegantes e falando um inglês fluente. Ele não dorme muito – mas pensa e escreve bastante sobre seu passado e seu presente.
Altrad nasceu no deserto sírio. Seu pai era líder de uma tribo beduína, e sua mãe era uma mulher pobre desprezada.
Seu pai a violentou duas vezes, e ela teve dois filhos: Mohed Altrad e um irmão mais velho, que morreu pelas mãos do próprio pai.
Sua mãe morreu no dia que ele nasceu, e Altrad foi criado por sua avó na mais absoluta pobreza, que nunca pensou em mandá-lo para a escola.num território dominado pelo grupo que se autodeclara “Estado Islâmico”.
O jovem, no entanto se perguntava porque ele não estudava. Enfim Altrad passou a frequentar a escola. Era inteligente seus companheiros ficaram com inveja quando o humilde pastor se tornou o primeiro da classe.
Sobrevivência
Eles o levaram para um deserto onde cavaram uma cova e o enterraram. Altrad, porém, escapou. “Instinto de sobrevivência”, disse.
Foi aí que a sorte começou a mudar. Um casal sem filhos resolveu adotá-lo – ele pôde voltar à escola e continuou tirando boas notas.
Altrad foi estudar em uma das universidades mais antigas da Europa, a Universidade de Montpellier, na França.
Chegou tarde, em uma noite fria de novembro – e não falava uma só palavra em francês. Mas isso não foi o suficiente para impedir seus estudos.
Fez doutorado em ciências informáticas, trabalhou para algumas das principais empresas francesas, obteve nacionalidade francesa e começou a trabalhar para a Companhia Nacional de Petróleo de Abu Dhabi – e lá não tinha onde gastar todo o dinheiro que ganhava.
De volta à França, ajudou a fundar uma empresa que fabricava computadores portáteis. Quando a vendeu, conseguiu mais dinheiro.
Andaimes
Depois, junto a um sócio, comprou um pequeno negócio de andaimes de construção. E se endividou: a empresa perdia muito dinheiro. “Não é a última tecnologia, mas andaimes sempre vão fazer falta”, pensou. E os pequenos empreiteiros que compravam seus andaimes de metal também precisavam de caminhões e betoneiras para misturar cimento. Assim, ele acrescentou outros serviços à empresa.
Num programa de incentivo aos funcionários, os dois sócios conseguiram reverter a tendência e começaram a lucrar com o negócio.
Altrad usou o dinheiro para crescer mais, comprando outras companhias. Também começou a expandir os negócios também para fora da França, mas sempre oferecendo produtos para construção e seguindo os mesmos princípios: além dos andaimes, oferecia todas as outras coisas que as construtoras precisavam.
Em 30 anos, a pequena indústria cresceu até chegar a incluir 170 empresas sob o comando de Altrad. Eram 17 mil empregados, US$ 2 bilhões anuais em valor de negócio e US$ 200 milhões de lucro.
E agora, ele acaba de dobrar o tamanho da empresa – chamada Altrad Group – comprando uma concorrente holandesa.
Mohed Altrad também é presidente e coproprietário da equipe de rúgbi de sua cidade “adotiva”, Montpellier.
Líder Silencioso
Mas apesar de seu sucesso e reconhecimento, ele segue sendo um líder bastante silencioso e muito querido pelos empregados.
“Você pode me perguntar por que estou fazendo isso”, disse. “Mas nunca foi por dinheiro. Estou tentando desenvolver um empreendimento humanista e fazer as pessoas que trabalham para mim felizes.”Porque, se elas são felizes, são mais eficientes, melhores trabalhadores e terão uma vida melhor”, explica.
Isso, ele diz, é o que as empresas deveriam ter como objetivo. “Se sou feliz, trabalho melhor”, insiste.
Sua história tem uma importância ainda maior na Europa, onde o tema da migração é cada vez mais importante.
“Podem dizer que tenho mais de 3 mil anos de vida. É a vida do deserto, que tem suas próprias regras e começou 3 mil anos atrás”. “Falar com você nesse lugar tão bonito e luxuoso ainda me parece estranho. Esse sentimento está no meu sangue, na minha vida cotidiana”, afirmou
Perguntei a ele se agora está feliz. “Na realidade, não”, responde